Entre o Ideal e o Real: Reflexões Sob Um Céu Estrelado
Sempre fui fascinado pelo céu estrelado… Encontrar-me com algo maior… sozinho e introspectivo.
Tal como o calafrio que corre de estrela a estrela, muitas vezes, diante desse espetáculo, sinto uma leve sensação de desconforto ou de ansiedade, com aquela doce melancolia, as queixas doces no ar…
Há um poema de Bilac que me é especial:
Quem o encanto dirá destas noites de estio?
Corre de estrela a estrela um leve calafrio,
Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só,
Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pó,
Para purificar o coração manchado,
Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado...
Que esquisita saudade! — Uma lembrança estranha
De ter vivido já no alto de uma montanha,
Tão alta, que tocava o céu... Belo país,
Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz,
Livre da ingratidão, livre da indiferença,
No seio maternal da Ilusão e da Crença!
Que inexorável mão, sem piedade, cativo,
Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo?
Louco, em vão, do profundo horror deste atascal,
Bracejo, e peno em vão, para fugir do mal!
Por que, para uma ignota e longínqua paragem,
Astros, não me levais nessa eterna viagem?
Ah! quem pode saber de que outras vida veio?...
Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio
Todo o mistério ver aberto ao meu olhar!
Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar
Uma alma alheia, uma alma em minha alma escondida,
— O cadáver de alguém de quem carrego a vida...
Os melhores poemas não são os que lemos; são os que nos leem a nós.
"Ergo o sonho da terra", para elevar-me acima da condição humana e purificar o coração.
Essa é a melhor experiência da espiritualidade.
Muitas vezes, precisamos purificar o coração. Comigo, isso acontece nessas horas de assombro, nesses encontros mágicos com o infinito. É quando sinto aquela "esquisita saudade", aquela lembrança de ter vivido em outro lugar, em outro tempo, uma outra vida, no alto de uma montanha, quase a tocar o céu, livre e longe da ingratidão e da indiferença do mundo.
Já se sentiu assim? já encontrou algo ou alguém que o fizesse ver o mistério da vida relevado num olhar?
É assim que me sinto… Como se uma alma estivesse escondida dentro da minha: a alma de alguém de quem carrego a vida…
Sinto que essa "alma alheia" é uma belíssima metáfora da nossa melhor versão, ou a versão de nós mesmos a que aspiramos ser, ou poderíamos ser. Nossos sonhos e esperanças, o potencial não realizado, a parte de nós que é capaz de experimentar a verdadeira felicidade e liberdade.
Ela está aqui, pulsante… No entanto, muitas vezes, preciso ouvi-la, e senti-la.
"Carregar a vida" dessa alma é a responsabilidade de viver de acordo com essa versão idealizada. Encontrar um propósito, realizar nosso potencial, viver de acordo com valores e princípios e fazer escolhas que nos permitam ser o melhor que podemos ser.
Não, não é fácil. Mas é belo e elevado. Espiritualidade é isso.
Penso nesse poema como a tensão entre o ideal e o real, entre quem somos e quem aspiramos ser. É a ideia e a compreensão de que a verdadeira liberdade e felicidade podem e devem ser encontradas.